São tempos estranhos os que vivemos hoje em dia: a incerteza, o isolamento social e o receio de um futuro invernoso são constantes no nosso quotidiano.

A pandemia Covid-19 veio abrandar o ritmo de milhões de pessoas e alterar comportamentos e estilos de vida que dávamos por garantidos. Nos dias que correm, é preciso dar mais importância ao próximo. É tempo de união, solidariedade e reflexão sem esquecer que, muitas vezes, é da adversidade que surgem as histórias mais inspiradoras.

E, por falar em inspiração, trazemo-vos “A minha história”, tendo como protagonista Josimar Cassamá. Uma entrevista ao atleta do SC Braga, que se destaca por um percurso académico e desportivo exemplar, mas não só…

A vida é feita de acontecimentos marcantes, tantas vezes inesperados, que trilham o caminho de cada um e Josimar é um exemplo de resiliência. Um verdadeiro gverreiro, que apesar de uma vida difícil, nunca desistiu de lutar pelos seus objetivos.

Com apenas 8 anos, já sonhava em ser jogador de basquetebol, enquanto grande parte dos amigos jogava futebol, Josimar descobriu-se com a bola nas mãos.

Foi num campo de basquete perto de casa, já um pouco degradado pelo tempo, que tudo começou. Rodeado de prédios, o antigo campo do bairro é ainda um local especial para o atleta. Foi ali, junto de amigos e vizinhos que Josimar foi fermentando a paixão pelo basquetebol e, ainda hoje, é uma espécie de porto seguro, um refúgio para pensar e organizar ideias. Fez, por isso, todo sentido, torná-lo num dos palcos desta reportagem sobre a história de vida do atleta do SC Braga.

“Tudo começou neste campo, foi aqui que fui ganhando o gosto por jogar e treinar, sempre que tinha tempo vinha para aqui com os meus amigos… hoje em dia, quando tenho exames ou me sinto em baixo por algum motivo, venho para aqui encestar, ajuda-me a pensar, é um local que ainda hoje me faz muito bem, é um espaço onde eu sei que posso ser completamente eu.”

“O basquete é pouco conhecido, eu sei, mas quando se gosta realmente de uma coisa, não importa quem assiste, desde que uma pessoa se sinta bem em fazê-lo. É um jogo que precisa de se saber interpretar a linguagem corporal porque no basquetebol o jogo é muito próximo. Exige atenção máxima e o que me fascina é a imprevisibilidade.”

“O Michael Jordan foi sempre um jogador impressionante, mas atualmente gosto muito do Giannis Antetokounmpo, é um jogador grego da NBA, atlético, versátil e muito dedicado ao jogo.”

 

Durante a entrevista, Josimar Cassamá, ia respondendo às perguntas enquanto encestava, como se fosse um vício entranhado, que o impedisse de ficar parado, mas sempre com um sorriso nos lábios. Questionado sobre o que sente quando joga, a resposta foi perentória:

 

“Quando tenho a bola na mão não sei explicar o que sinto, é o que me mantém são, o basquete tira-me muitas preocupações; sei que se tiver algum problema, posso contar com o basquetebol porque sei que vou sempre sentir-me bem. É impossível sentir-me mal a treinar e a jogar, é algo que realmente amo e não imagino a minha vida sem isso.”

 

Josimar tem 20 anos e além de ser federado no basquetebol, está no 3º ano de Medicina na Universidade do Minho, foi desde sempre um aluno de excelência. Concilia o desporto e a vida académica de forma notória, tão notória que até parece fácil, mas não é:

 

“Em Portugal não há muito a cultura de conciliar o desporto com a educação. Há muitas pessoas que depois de entrar na universidade acabam por desistir ou, porque mudam de cidade ou, porque não há perspectivas de dar continuidade nesse sentido. Eu consigo conciliar as duas áreas mas faço um esforço muito grande para conseguir estar na Proliga e manter o rendimento escolar necessário, na realidade, não me sobra tempo para nada.”

 

A mãe, Antónia, é cabo-verdiana, veio para Portugal com o marido e os filhos em 1993. Licenciou-se em língua portuguesa, mas nunca chegou a exercer, trabalha numa multinacional, no turno da noite, há já 18 anos. Mãe trabalhadora e sem família em Portugal, Antónia teve sempre um papel importante na vida do atleta.

 

“Os meus filhos nunca precisaram de um explicador, nunca me deram dores de cabeça, sou uma mulher abençoada. O Josimar é uma pessoa muito inteligente, metódica e determinada, eu notei isso desde que era pequeno. Ele começou a ler sozinho com 4 anos e percebia as coisas com facilidade… foi sempre um aluno do quadro de honra. Ele está no curso de medicina e é muito complicado, estuda muitas vezes sem livros porque os livros são caríssimos e eu não aguento. Não é, nem foi fácil…mas ele tem muito de mim, o Josimar diz que sou o exemplo dele, talvez por ser tão batalhadora.”

 

Para Josimar a vida nem sempre foi fácil, mas em 2018 a força de vontade do atleta foi posta à prova quando sofreu a perda do primo e do pai no mesmo ano… 5 meses depois de um transplante de coração mal sucedido, seguiu-se a perda do pai, vítima de acidente de viação…um ano que marcou o atleta pelos piores motivos. Valeu-lhe a família e os amigos que o ajudaram a ultrapassar o momento mais difícil da vida de Josimar. João Malheiro, é o companheiro de equipa e o amigo de todas as horas que teve um papel fundamental na vida de Josimar.

 

“Na altura, nós estávamos no campeonato europeu na Bulgária e quando chegamos ao hotel, o diretor na altura deu a notícia… fiquei sem saber o que dizer, eu estava com ele e foi complicado, tentava ajudar, mas não sabia muito bem o que fazer. Depois de ele receber a notícia, que o pai tinha falecido, tentei animá-lo, conversar com ele, na altura fomos caminhar para espairecer. Ele para mim é um exemplo de superação, pela forma como concilia o curso e o basquetebol, pela pessoa e amigo que é, pelas dificuldades que passou e mesmo assim continua o caminho dele.”

 

Contra as expectativas de todos, Josimar segue em frente. Quando todos pensavam que ele ia pôr tudo em causa, Josimar percebeu que a vida é rara demais para ser desperdiçada.

 

“A certo nível percebi que jogar era um escape dos meu problemas, foi a partir daí que comecei a valorizar muito mais o basquetebol… a vida é feita de acontecimentos inesperados e temos de aproveitar ao máximo, assim como isto que aconteceu na minha família, pode acontecer de ter uma lesão e não conseguir jogar mais ou ter um outro problema que me impeça de estudar, por isso, o máximo que posso fazer é dar tudo naquilo que faço.”

“Muitas vezes podemos pensar: “era tão mais fácil eu desistir, era tão mais fácil eu não me esforçar, era tão mais fácil dormir mais uma hora ou não treinar , era tão mais fácil eu não estudar mais, era tão mais fácil…” mas que gosto é que teria? Que gosto teria a vida se eu não tivesse esses objetivos? Essa vontade de ser cada vez melhor, de me superar e ser diferente?  Não ando ao sabor do vento, nem me conformo com as adversidades, em toda a minha vida tive que remar contra a maré, quando tudo dizia: “vais por ali, isto aconteceu-te e vais ficar assim”, eu sempre tentei remar no sentido contrário. Para isso, temos de nos agarrar às pequenas conquistas e àquilo que nos motiva, à nossa paixão.”

 

"A Minha História" com Josimar Cassamá 4

 

“A remar contra a maré” é assim que se define, um espírito inconformado contra os tropeços da vida, com a bola nas mãos e um sorriso no rosto, Josimar tem com certeza um futuro brilhante pela frente.

“Graças a Deus consigo fazer as duas coisas, consigo conciliar os estudos e o basquetebol, que motivo melhor eu preciso para sair da cama? Se durante o dia consigo estudar para algo que eu sonho desde pequeno e à noite posso fazer aquilo que eu mais gosto que é o basquetebol… seria muita ingratidão se eu não saísse da cama, seria dizer que não quero viver. Se tenho essa oportunidade, tenho que aproveitar.”