Há quem defenda que o melhor improviso é aquele que está ensaiado.

A ideia, que configura em si mesma uma contradição, é porventura uma boa metáfora da decisão que o SC Braga tomou quando se viu confrontado com a repentina necessidade de proceder a uma mudança no comando técnico da sua equipa principal.

A opção por Custódio foi uma aposta que – lá está! – poderá ter soado a muitos como um improviso, mas que numa análise mais cuidada reflete uma preparação longa e metódica, que começou bem antes daqueles primeiros meses de 2017, quando o SC Braga o convenceu a concluir a carreira de jogador e a abraçar a estrutura técnica do clube.

Numa longa conversa com o scbraga.pt, Custódio discutiu conceitos, detalhou ideias e apresentou aquilo que pretende transportar para a equipa. Um documento com impressão digital para conhecer em três capítulos, o primeiro dos quais sobre a formação do treinador.

Onde, quando e como é que nasce o Custódio treinador?

– Eu diria que muito cedo, porque sempre me fascinou a razão do que fazíamos. Já com 22/23 anos eu sentia que tinha de perceber muito bem as coisas, mais do que muitos dos meus colegas, que porventura tinham uma competência e uma sensibilidade enormes para o jogo, mas não refletiam sobre ele, pelo que o que faziam era automático e vinha da grande aptidão que tinham enquanto jogadores. Com isto não me quero fazer mais do que ninguém, até porque felizmente tive companheiros também muito interessados e alguns deles deram bons treinadores, mas a verdade é que eu não gostava de fazer as coisas por fazer, gostava de saber porque é que as fazia.

Mas há jogadores que podem ter interesse no jogo para o jogarem melhor sem com isso terem pretensão de vir a treinar…

– Certo. O futebol deu-me muitas coisas, coisas muito importantes para mim e para a minha família, mas acima de tudo eu sou um apaixonado pelo jogo e por isso o futebol sempre foi muito mais do que a minha atividade profissional. Eu sei que hoje em dia o futebol nos abre imensos caminhos, seja no agenciamento, seja em muitas outras tarefas que eu sei que podia seguir para continuar ligado ao futebol, mas a mim nunca me fascinou outra coisa que não fosse o campo e percebi muito cedo que seria assim.

Era de discutir com os treinadores? Quem lhe deu mais abertura para essas “inquietações”?

– Hoje sinto que os jogadores são muito reservados perante o treinador e eu não gosto disso, gosto de os pôr a falar, porque a minha forma de compreender o jogo era questionar, era falar, era procurar compreender. Como treinador, vou sempre puxar os jogadores para o diálogo e para a compreensão daquilo que fazemos, porque entendo que isso é fundamental. No SC Braga, por exemplo, gostava de discutir com o Sérgio Conceição, gostava de lhe pôr problemas. O Paulo Bento, que foi meu colega e depois meu treinador, também era alguém que estimulava esse debate.

Quando os treinadores dão muita margem para o debate com os jogadores, isso não pode trazer dúvidas para quem dirige?

– Tenho a minha ideia, sei onde quero chegar. Se permito que o jogador me aborde, é para o ajudar a ele, é para que ele chegue onde eu me encontro, é para anular as dúvidas que possam existir. Sou muito seguro das minhas ideias, não tenho problemas com isso.

Mas como é que de um jogador curioso nasce um treinador?

– Eu não era um jogador vazio, fui acumulando ideias, fui definindo uma forma de estar no futebol. Enquanto jogador, eu fui acumulando sabedoria, bebi muita coisa e fui guardando muita coisa por saber que isso me iria ser útil no futuro. Quando terminei a minha carreira, a tarefa era outra: pegar em tudo o que tinha e arrumar em gavetas. É normal que nos falem em referências, mas essa é só uma parte daquilo que nos forma enquanto treinadores. Eu se calhar até me lembro de nomes que não têm grande relação entre eles, mas é natural que fale dos portugueses e aí, como todos, tenho de referir o José Mourinho, o Jorge Jesus, o Paulo Fonseca, o Fernando Santos, por quem tenho muita estima, mas também o Manuel José, pela sua liderança e pela sua frontalidade, e o Vítor Oliveira, de quem aprecio muito a forma simples de comunicar e os bons trabalhos que tem feito.

O Guardiola diz que um treinador é um ladrão de ideias. De quem “roubou” e como adequou isso a uma impressão digital que é normal que todos procurem?

– Bebi muito e de muitas fontes, para mim foi um privilégio ter estado perto do Abel quando fui adjunto do SC Braga B e ele estava na equipa principal. Nessa fase, que foi importante para a organização da minhas ideias, percebi que há várias coisas que partilhamos. Não sei se está tudo inventado, a verdade é que o jogo não pára de evoluir e ninguém vai longe se quiser apenas copiar alguém. Nós, treinadores, estamos sempre à procura de fazer melhor e de fazer diferente. Não sou nem serei exceção.

Sábado – Parte II – “Nunca pensei treinar formação, mas aprendi muito”

Domingo – Parte III – “SC Braga está formatado para continuar a ganhar”