Por trás de uma família existem grandes histórias e a estória que aqui trazemos junta a curiosa e duradoura relação entre uma família e um clube: o SC Braga. Falar dos “Gama” é falar do passado, do presente e futuro de um elo que, de geração em geração, se mantém bem vivo. Do avó aos cinco tios, é agora sobre Dinis Gama que recaem as maiores esperanças e é do talentoso jovem que nasce o motivo desta conversa.
Será coisa do destino? Talvez. Somos naturalmente levados a pensar num trajeto óbvio, mas a verdade é que não foi bem assim. Por vezes até o destino exige uma tomada de ação, de desvio ou escolha. Aos seis anos, Dinis estava no FC Porto e optou por percorrer outro caminho; hoje, brilha tanto ao serviço do SC Braga como da Seleção Nacional, venceu uma lesão que o afastou meio ano dos relvados e, num 2020 de realidade social atípica, os primeiros meses foram para nunca mais esquecer.
Preparem-se para a viagem, pois da assinatura do contrato profissional à entrega do Galardão Gverreiro Cidade Desportiva ela vai até fora das quatro linhas e só para na licença da carta de caçador…
Um dia cheguei ao treino e disse: “Pai, nunca mais entro aqui”
Recuando até ao início de tudo, quando nasceu a tua relação com o futebol?
Comecei a jogar no clube da terra, o Vilaverdense FC, com apenas quatro anos e ingressei logo no escalão acima. Continuei por dois anos até que o FC Porto veio fazer uma captação e chamaram-me. Fui para o FC Porto, mas estive lá apenas dois meses.
Como correu a experiência?
Foi muito difícil… Uma adaptação muito complicada, mentalmente fui-me desgastando. O meu pai levava e trazia-me todos os dias para os treinos, chegava a casa sempre às 23h30/meia-noite. Era longe, estava constantemente cansado e desisti. Entretanto tinha dois primos meus que se encontravam nas escolinhas do SC Braga e acabei também por entrar. Um deles é o Afonso Gama, que joga comigo nos Sub-17.
(Dinis Gama, à esquerda de Alan, com o primo Afonso Gama)
A decisão de vir para o SC Braga deveu-se mais à influência dos teus primos ou dos teus pais?
De nenhum dos dois, foi uma iniciativa minha, completamente. Até porque nem falava muito com o meu pai sobre aquilo que estava a sentir no FC Porto, mas um dia cheguei ao treino, entrei no Vitalis e disse: “Pai, nem sequer vou treinar, nunca mais entro aqui”. Cheguei a meio do campo, vim para trás e não mais lá apareci. O meu pai ainda tentou convencer-me, falava: “Vai, vai, não faças isso”, mas não houve volta, não havia nada que me conseguisse dar a volta. Quem tomou a decisão fui eu.
E as reações?
Na altura os meus pais não aceitaram muito bem a minha saída do FC Porto, queriam que tivesse ficado lá, mas com o tempo perceberam que foi o melhor para mim. A minha família sempre foi ligada ao SC Braga e concordaram que foi a decisão acertada, tanto em termos de distância como de adaptação. Não me cansava tanto e estava muito mais motivado.
Voltando ao teu passado familiar, conta-nos essas ligações ao clube:
Para além do meu primo Afonso Gama, com quem estou nos Sub-17, todos os meus tios passaram pelo SC Braga, uns com mais sucesso do que outros, como é natural. Foram eles o meu tio Rui Gama, que chegou até à equipa A e à Seleção Nacional, o Bruno Gama, que também passou pela equipa principal e continua a jogar na Grécia, o Augusto Gama, que neste momento é adjunto do Rio Ave FC, o José Alberto Gama, que jogou até à equipa B, o meu tio Feliciano Gama e ainda o meu avô Alípio Gama, que atuaram ambos até aos juvenis do SC Braga.
- Foto de grupo superior: Alípio Silva (primeira fila, segundo jogador a contar da direita)
- Foto de grupo inferior: José Alberto Gama (segunda fila, sexto jogador a contar da direita)
- Foto superior individual: Augusto Gama
- Seguem-se, na sequência, Rui Gama, Feliciano Gama e, por último, Bruno Gama.
Eles são pessoas presentes e atentas ao teu percurso?
Infelizmente os meus tios não podem acompanhar os meus jogos tanto quanto gostariam, mas tentam fazê-lo nem que seja através da transmissão facebook. Ao domingo costumamos todos ir almoçar à minha avó e eles felicitam-me, dizem-me se joguei bem, se não joguei, o que podia melhorar… há sempre um ou outro conselho, claro, são pessoas muito atentas e importantes no meu percurso.
E agora és tu quem está a traçar o seu caminho…
Sim, é um facto, e claro que eu gostava muito de dar continuidade a esta história. Eles depositam alguma esperança em mim para que esse legado de família continue, mas acima de tudo para que chegue mais longe do que eles chegaram. E eu também quero: tenciono alcançar metas mais elevadas e ser melhor do que eles foram, é um objetivo para mim.
Com tantos homens na família ligados ao futebol, como é que a tua avó lida com isso?
Ela tem muito orgulho, guarda tudo. Há um armário na casa dela com todos os troféus dos meus tios, sejam prémios, camisolas deles e de outros jogadores, chuteiras que usaram, está tudo naquele armário. Posso dizer que a grande maioria pertence ao meu tio Bruno, que foi campeão europeu pela seleção Sub-17 e muitas recordações dessa altura estão na casa da minha avó. 99% do que eles ganharam encontra-se lá guardado.
És também um dos nosso jovens internacionais. As chamadas sucederam-se e entretanto participaste na CONCACAF em Agosto de 2019. Portugal venceu o Torneio mas para ti teve um sabor agridoce…
Sem dúvida… Não é fácil vir de um momento tão bom, quando tudo estava a correr tão bem, e de repente ficar tanto tempo lesionado. Existiram momentos em que pensei que já nem sequer ia recuperar, mas tive de me manter otimista, com mentalidade correta, de que tudo ia passar.
Quando é que a lesão aconteceu?
No jogo da final, a disputar um lance de cabeça. caí mal, bati com o cóccix e ele partiu. Fiquei em campo até ao final, pois no primeiro dia não senti dor. Quando comecei a sentir foi na viagem, tive dores insuportáveis no avião, não me consegui sentar, nem mesmo quando cheguei a casa. Quando regressei ao SC Braga treinei logo no primeiro dia e não aguentei. Falei com a equipa médica no fim do treino, fiz a radiografia e deu o cóccix faturado.
E depois?
Parei um mês e após esse tempo joguei vinte minutos contra o Rio Ave FC. Na segunda semana fui titular contra o Moreirense FC, marquei um golo mas logo na primeira parte tive uma dor muscular, vim a descobrir que era uma rotura do efemural. Foi tudo demasiado rápido, devia ter ido com mais calma… O meu corpo ressentiu-se.
(Festejo de Dinis contra o Moreirense FC)
Seguiu-se novamente outra recuperação…
Sim, foram vários meses só a tratamento, em seguida passei ao ginásio, depois corridas até que voltei ao relvado. Mas tudo com muita calma, a fazer as coisas devagar. Quando recuperei comecei a jogar pouco a pouco o que também não foi fácil, pois fisicamente estava muito em baixo. Com 10 minutos de corrida parecia que caía para o lado.
A ‘bonança’ veio com a assinatura do teu contrato profissional e a distinção na Gala Legião de Ouro. O que é que isto significou para ti?
Quando soube que ia assinar contrato ainda estava lesionado, ajudou muito saber que, mesmo com os problemas que estava a atravessar, o clube continuava a confiar em mim. Quanto ao Galardão foi um orgulho enorme, um reconhecimento do meu trabalho ao longo destes anos no SC Braga e não poderia ficar de outra forma que não fosse muito, muito feliz. Há todo um processo desde que cheguei ao SC Braga, de altos e baixos, mas esse está certamente nos pontos mais altos que já vivi.
Sentes que alguma coisa mudou desde aquele dia?
Nada, esse troféu não acrescentou nada. Só acrescentou mais responsabilidade e ambição. Foi bom, já passou e agora ambiciono cada vez mais.
Para além do futebol há outra parte que não nos podemos esquecer: os estudos. Como está a ser conciliar as duas coisas?
Neste momento estudo no 10º ano do curso de Ciências em Tecnologias e o que posso dizer é que meti-me num inferno… (risos). Era muito mais fácil mudar para outro curso, mas eu gosto muito de Ciências e acho que é das áreas que me dá mais opções para o futuro. No futebol nada é garantido, neste momento está a correr bem mas de repente pode tombar, portanto, tenho de ter sempre uma alternativa. Claro que conciliar as duas coisas a um alto nível exige muito, mas também acho que não se consegue nada sem um pouco de sacrifício.
Quanto a hobbies, há algum que nos queiras contar?
Sim, por acaso tenho um hobbie muito estranho e que muitos treinadores sabem, que é a caça. O mister César chama-me ‘caçador’, o meu avô caça há muito tempo e desde pequeno, desde os meus quatro anos, que ele me leva com ele para o monte. Mesmo com 76 anos, o meu avô sempre foi o meu companheiro nesta aventura. Este hobbie é das coisas que mais gosto de fazer, tanto que estou à espera para tirar em breve a carta de caçador.
(Dinis Gama e o avô)
Ou seja, se não tivermos jogador de futebol vamos ter alguém ligado à área da ciência ou da caça, correto?
Exatamente (risos). Primeiro está o futebol e a escola, mas a verdade é que a cada ano que passa é mais difícil. Neste ano letivo tentei tirar alguma pressão porque sou um aluno com boas notas, com média de 16 valores, alguém que gosta de ter bom rendimento escolar e essa pressão que eu próprio coloco para conciliar tudo prejudica-me muitas vezes. Agora retirei alguma pressão nesse sentido, coloquei o futebol como a minha prioridade e depois os estudos. São dois mundos distintos, mas sinto que ainda tenho muito para viver dentro do futebol e que o futuro me reserva muitas coisas boas.