Dolores é uma referência do SC Braga e do futebol feminino nacional. A camisola 14 do clube arsenalista já vestiu por mais de 100 vezes a camisola da Equipa das Quinas, contabilizou mais de 100 jogos na Alemanha e conquistou a Liga Espanhola ao serviço do Atlético de Madrid. Dolores levou bem alto o nome de Portugal e, como podem imaginar, a sua história cativa qualquer pessoa que goste do mundo desportivo.

A paixão pelo futebol: “Desde muito pequenina que só queria ter a bola nos pés. Como os meus pais tinham uma mercearia em Queluz, eu ficava até muito tarde a jogar futebol na ‘praceta’ com os meus amigos. Chegámos a partir as janelas das casas, valia tudo. Lembro-me de chegar a casa sempre toda pisada porque jogava no alcatrão”.

O início da carreira com os rapazes: “Comecei a jogar no Real Massamá. Joguei com o Abel Camará, foi o único que se tornou jogador profissional. Tenho muitas saudades dessa altura, os rapazes tratavam-me com muito respeito. Cheguei a ser capitã da equipa deles e tratavam-me super bem. Eram os primeiros a proteger-me dentro do campo”.

Pai acompanhou toda a carreira até emigrar: “O meu pai sempre me acompanhou desde pequenina, ia a todos os treinos e a todos os jogos. Quando tinha 15 anos, o meu pai emigrou para Inglaterra para trabalhar. Custou-me muito porque perdeu uma altura importante da minha carreira. Estava a cumprir um sonho ao entrar na equipa das campeãs nacionais (1.º de Dezembro). Não viu os títulos que conquistei e isso custou-me muito”. 

Agradecimento ao pai em forma de prémio: “Eu queria mesmo muito que o meu pai me fosse ver no Europeu. Ajudei-o com a despesa dos voos, em tudo mesmo para lá estar. Era um sonho para mim ele estar lá, era a minha primeira vez num Europeu. Depois, foi a cereja no topo do bolo porque ganhámos à Escócia e eu fui eleita a melhor jogadora em campo. Mal vi o meu pai, dei-lhe logo o prémio e disse-lhe: ‘isto é teu por tudo o que fizeste por mim’. Foi um momento muito especial”.

A primeira oportunidade nas competições europeias: “O 1.º de Dezembro começou a preparar a época cedo por causa da Taça UEFA e chamou algumas juniores às seniores.  A professora Helena Costa gostou de mim e deu-me oportunidade de entrar na equipa. Tinha 15 anos, lembro-me que fui à Taça UEFA porque fazia anos no dia em que viajava porque se não fizesse, não podia ir… não tinha idade para jogar. Foi uma surpresa e um privilégio enorme ter a oportunidade de ir com aquela equipa à Croácia”.

Jogar na equipa das estrelas portuguesas: “Lembro-me de uma final da Taça de Portugal frente ao Boavista que ganhamos 5-0 e marquei dois golos. No segundo golo, lembro-me que veio toda a equipa abraçar-me. Eu só pensava: que maravilha poder partilhar estas emoções com estas jogadoras. Tinha a Carla Cristina que foi a melhor capitã que tive na vida. Ter jogadoras ao meu lado como a Carla Couto, como a Sónia Matias e como a Edite Fernandes que eram referências do futebol feminino nacional. Eu admirava-as tanto, mas tanto”.

A oportunidade de ir para Alemanha: “Fui desviada dos Estados Unidos para a Alemanha. Estava a preparar há alguns meses a minha ida para os Estados Unidos, ia jogar para uma universidade com a Laura Luís e com a Mónica Mendes. Entretanto, tive a oportunidade de ir fazer testes ao FC Duisburg, uma equipa de topo na Alemanha, que tinha ganho a Liga dos Campeões. Tentei a minha sorte, as coisas correram bem e fiquei. Pedi desculpa aos responsáveis pela Universidade dos Estados Unidos (Brownsville), mas era impossível rejeitar a oportunidade de jogar naquela equipa”.

Faltou a um treino por não perceber a língua: “Na pré-época, eu e uma colega minha italiana (Laura Neboli) não percebemos que o treinador disse que tínhamos treino bidiário no dia seguinte. Foi muito engraçado porque chegámos ao treino à tarde com a maior das naturalidades e ficámos surpreendidas quando nos disseram que já tinham treinado de manhã. Perdoaram-nos a multa, mas ficámos um bocado envergonhadas (risos)”.

A lesão no início da carreira na Alemanha: “Tudo estava a correr bem no clube, já tinha conquistado o lugar na equipa e de repente tive uma lesão mesmo muito grave. Não tive visitas de nenhum familiar nessa altura, foi muito duro, até pensei em desistir. Durante essa lesão aproveitei para estudar alemão e para dominar a língua. Felizmente regressei bem e fiz praticamente todos os jogos até à minha despedida da Alemanha”.

Uma camisola especial:  “O meu jogo número 100 foi contra o FC Duisburg, curiosamente. A direção do USV Jena ofereceu-me uma camisola com o número 100, foi muito especial para mim. Consegui fazer 100 jogos numa das melhores ligas do mundo. No momento, pensei que toda a minha dedicação nos treinos e nos jogos valeu a pena. Pensei ainda em todas as pessoas que me ajudaram na Alemanha, que nunca me pediram nada em troca e que ficarão para sempre no meu coração. Na Alemanha fiquei conhecida como ‘Dori’, foi um nome querido que me deram quando lá cheguei”.

As primeiras impressões do SC Braga: “A maneira como o SC Braga me acolheu foi muito especial. Fiquei impressionada com a forma como apostavam no futebol feminino. Já disse em muitas entrevistas, mas volto a sublinhar, no SC Braga qualquer atleta se sente em casa”.

Final da Taça de Portugal frente ao Sporting CP: “Foi o jogo que mais me custou perder na minha carreira. Sabia que ia ser o meu último jogo pelo SC Braga naquela época. Queria muito ganhar um título pelo SC Braga e entrar na história do clube. A Taça de Portugal é uma competição muito especial e aquela final vai ficar para sempre marcada na minha história. Fizemos um grande jogo e merecíamos muito mais. Ver os adeptos do SC Braga que foram incansáveis connosco ao longo do ano a chorar partiu-me o coração”.

Lágrimas em Madrid com a conquista da Supertaça das Gverreiras: “Quando fui para o Atlético de Madrid, disse para mim mesmo que se algum dia voltasse a Portugal ia regressar para o SC Braga. Continuei a acompanhar o clube, lembro-me que na final da Supertaça que o SC Braga venceu, pedir a uns amigos para me irem informando do resultado do jogo. Eu não consegui ver porque fico mesmo muito nervosa. De repente, recebo uma mensagem dos meus amigos a dizer que o jogo ia para pénaltis. O meu coração quase não aguentava, mas liguei a televisão. Quando ganhamos comecei logo a chorar ao ver a alegria dos adeptos e de toda a equipa. O presidente António Salvador mandou-me uma mensagem no final do jogo e disse que aquela Taça também era minha. Fiquei muito emocionada e nunca mais me vou esquecer”.

No meio de estrelas mundiais no Atlético de Madrid: “Já tinha jogado com atletas de topo no FC Duisburg, joguei com a Lieke Martens que já foi considerada a melhor jogadora do Mundo. Mas no Atlético de Madrid praticamente todas as jogadoras já tinham estatuto a nível internacional. Lembro-me que só eu e uma colega minha australiana é que não éramos patrocinadas. Sentia-me noutro mundo, numa realidade completamente diferente”.

Participou no jogo com mais assistência entre clubes de futebol feminino: “Esse jogo bateu o recorde mundial a nível de clubes de futebol feminino. Lembro-me que estava a ir a pé para o Estádio e já via imensas pessoas, fiquei impressionada parecia um jogo da equipa principal masculina. Às 11 da manhã já estavam a vender cachecóis na rua, carros a passarem com bandeiras do Atlético de Madrid, simplesmente impressionante. Quando entrámos para o aquecimento vimos tanta gente, tínhamos uma claque a puxar por nós, fiquei boquiaberta. Depois, ter o privilégio de nos equipar no balneário da equipa principal do Atlético de Madrid, ver todas aquelas regalias, sentias-te uma atleta de topo. Tinha uma coluna incorporada no balneário, tudo personalizado, tinha uma fotografia minha no meu lugar com o meu nome, até me arrepiei. Quando fui para o jogo e ouvi todos a cantarem o hino do Atlético de Madrid fiquei muito emocionada. Entrei aos 60 minutos e ainda consegui desfrutar do jogo. Correu-me muito bem, o treinador deu-me os parabéns. Foi um momento muito especial na minha carreira, nunca mais me vou esquecer”.

Gverreiras marcaram presença no Wanda Metropolitano: “Não estava à espera. Fiquei muito feliz de as ver na bancada, foi uma demonstração de amizade muito grande. Fizeram muitas horas de viagem para me verem jogar. Para além de minhas colegas são minhas amigas e vão ficar para sempre no meu coração”.

Jennifer Hermoso: “É a melhor jogadora do mundo atualmente. A nível técnico é uma jogadora incrível, é muito inteligente, não tem defeitos em campo. Foi um privilégio ter jogado com ela e como pessoa é maravilhosa. Vou-te contar uma história: a Jenni reparou que eu estava a fazer uma encomenda de umas chuteiras e disse-me: ‘Tu és parva? Não voltas a encomendar chuteiras!’. Levantou-se foi ao cacifo dela e ofereceu-me umas chuteiras novas da Adidas que lhe tinham oferecido no mesmo dia. Fiquei sem palavras. Quando estava a ver as chuteiras que me ofereceu ela ainda me disse: ‘a partir de hoje não compras mais chuteiras, sempre que precisares eu ofereço-te’. Nunca mais me vou esquecer daquele gesto e ainda hoje tenho vários pares de chuteiras da Jenni”.

O sentimento de ser campeã espanhola: “Quando fui para o Atlético de Madrid, fui em busca de títulos. Ser campeã da Liga Espanhola foi o concretizar de um sonho. Sinto que ajudei para aquilo acontecer e é algo que irá ficar sempre gravado na minha memória.”.

O regresso ao clube arsenalista:  “Era um desejo do clube e do presidente o meu regresso. Não podia ter regressado melhor, pois mal cheguei conseguimos o apuramento para a fase final da Liga dos Campeões. Este já é o meu clube do coração e regressar ao SC Braga foi a melhor coisa que me aconteceu, tenho a certeza”.

O susto com uma abelha: “Estava num estágio com a Seleção Nacional de Sub-19 e quando entrei no autocarro fui picada por uma abelha. Foi assustador, depois levei com um balde de gelo nas costas e tive de levar uma injeção de voltaren. Fiquei bastante assustada, mas felizmente ficou tudo bem”.

O significado de ouvir “A Portuguesa”: “Quando ouvi o hino a tocar pela primeira vez vieram-me as lágrimas aos olhos. Hoje já ouvi mais de uma centena de vezes ‘A Portuguesa’ e é sempre especial. Representar o nosso país a nível internacional é o que qualquer atleta sonha e eu não sou diferente”.

O penálti na Bélgica aos 96′: “O golo que mais me marcou foi contra a Bélgica de penálti. Estavam mais de 7 mi pessoas no Estádio, estávamos a perder 1-0 e aos 96 minutos foi assinalado um penálti a nosso favor. Se marcasse, Portugal ficava com mais esperança de ir ao Mundial. Quando ia bater o penálti, lembro-me que pensei: esta guarda-redes conhece-me melhor que ninguém porque jogou comigo no USV Jena, por isso tenho de a enganar. A baliza ficou pequenina, mas correu bem. Foi golo!”

Treinadoras que mais deixaram marca na sua carreira: “Helena Costa porque foi quem apostou muito em mim e a Inka Grings que foi minha treinador no FC Duisburg”.

Laura Luís como um braço direito no seu percurso: “Tem sido uma chata, estou a brincar (risos). Ajudou-me muito na minha carreira e na minha vida. É sempre bom teres na tua vida uma pessoa em quem podes sempre confiar e que está sempre pronta para te ajudar”.

Metas para o resto da carreira: “Faltam-me títulos pelo SC Braga e quero voltar a estar numa fase final de um Campeonato da Europa por Portugal. São os meus principais objetivos”.