António Salvador, Presidente do SC Braga, concedeu uma longa entrevista ao jornal Record, na qual abordou temas centrais do futebol português: arbitragem, centralização dos direitos televisivos, o projeto desportivo do clube e os desafios estruturais que se aproximam.
Num momento marcado por tensão e polémica, o dirigente deixou uma mensagem de confiança e responsabilidade, sublinhando a necessidade de liderança e estabilidade no futebol nacional.
Questionado sobre a ideia de que o futebol português está “doente”, António Salvador rejeitou dramatismos:
“Ainda há dias lia no L’Équipe uma reportagem de 4 páginas muito elogiosa sobre o futebol português e sobre o sucesso do futebol português. De repente parece que somos os nossos próprios detratores. Temos questões a resolver, claro que sim, mas não contem comigo para maltratar o futebol português.”
A propósito das recentes polémicas envolvendo árbitros, preferiu destacar a evolução do sistema:
“Vejo como positivo que a arbitragem seja capaz de reportar os factos que ocorrem e isso deve transmitir-nos confiança. Muito sinceramente, não acho que o silêncio seja uma opção. Eu reconheço aos presidentes da Liga e da Federação créditos para se fazerem ouvir em momentos como estes. Muito sinceramente, não acho que o silêncio seja uma opção e lamento o passa-responsabilidades a que tenho assistido. Percebo que o presidente da Liga está a fazer o seu caminho de aprendizagem numa nova função e num novo plano de destaque, mas reconheço ao presidente da Federação, não só pelo cargo que exerce, uma responsabilidade acrescida. Se há voz ouvida e respeitada em Portugal, é a voz de Pedro Proença. É um agente de elite do nosso futebol há décadas; foi presidente da Liga durante 10 anos; foi eleito presidente da Federação por números expressivos; já desempenhou altos cargos internacionais. Não estou com isto a atribuir qualquer culpa especial ao presidente da Federação pelo que se passa, estou antes a dizer que pessoalmente lhe reconheço essa credibilidade, essa autoridade e essa voz de comando. É um capital que o próprio soube construir e é um capital que eu pessoalmente gostaria de ver aplicado em momentos como estes.”
Apesar de elogiar o esforço de comunicação do Conselho de Arbitragem, reforçou que a falta de uniformidade continua a ser um problema:
“Hoje os critérios são tudo menos claros. Vejo muitos lances idênticos apitados de forma diferente. Criticamos a falta de uniformidade e queremos ajudar a que as decisões sejam melhores e mais coerentes. Recebemos respostas, sim, mas sendo muito franco o que sentimos é que anda tudo a passar a batata quente e a procurar refúgio na esfera disciplinar. E na nossa opinião à esfera disciplinar deve pertencer o que é da esfera disciplinar, com total autonomia e independência como é óbvio, mas que os responsáveis e os líderes não podem enjeitar a parte que lhes toca para defender o futebol e os seus agentes. A minha leitura é que as pessoas não têm feito tudo o que está ao seu alcance.”
Sobre as propostas recentes de alterações disciplinares por parte da APAF, António Salvador foi perentório:
“Acho que anda toda a gente a tentar aparecer bem na fotografia. A Liga terá o seu grupo de trabalho de alterações regulamentares, pelo que vou esperar pelas recomendações que vão surgir, mas do que vi parecem-me propostas altamente populistas, que violam alguns princípios e que portanto reputo de pouco sérias e pouco construtivas. Lá está, alguém quis ficar bem na fotografia.”
A centralização dos direitos televisivos, tema estrutural do futebol português, mereceu também destaque. Para o Presidente do SC Braga, o país precisa de dar um passo decisivo:
“Essa é uma liderança que cabe à Liga e sinto que a equipa a tem assumido, devo fazer-lhes justiça. Mas é preciso recordarmos porque é que Portugal pode e deve centralizar. Em primeiro lugar, porque neste momento estamos com Grécia e Chipre e com todo o respeito não é com Grécia e Chipre que devemos estar. Em segundo lugar, porque há um enorme desfasamento na distribuição e em nome da competição devemos corrigi-lo, temos três clubes que representam quase 70% do bolo total, isto não acontece em qualquer outro país. Estes devem ser objetivos coletivos, como também o deve ser a enorme oportunidade que temos de conseguir subir o nosso valor global, em claro contraciclo com o que acontece noutros países. Toda a Europa tem negociado direitos em quebra e Portugal tem uma enorme oportunidade de ser a exceção. Isso devia mobilizar-nos a todos, mas não sei se é o caso.“
Salientou ainda o papel determinante do SC Braga no panorama nacional:
“Sem um SC Braga forte na Europa, Portugal é irrelevante. Basta fazer as contas. Sou o presidente de clube há mais tempo no cargo, lidero um clube respeitado e que tem voz e por isso estou disponível para ajudar, mas é impensável que o futebol português evolua e se transforme se os presidentes dos maiores clubes não estiverem alinhados. Não nos vamos iludir. Se os maiores clubes não puserem o futebol português e o interesse coletivo à frente dos seus egos e da clubite que os adeptos reclamam, a minha esperança é diminuta. É preciso sair das trincheiras, faço esse apelo aos líderes dos maiores clubes e estou disponível para ser parte de um grande plano em prol do nosso futebol.”
No plano desportivo, o Presidente não poupou elogios ao treinador Carlos Vicens:
“Muito satisfeito. Vive para o clube e para a equipa, é muito competente e muito dedicado.”
Quanto às críticas do início da época, garantiu nunca ter posto em causa a continuidade da equipa técnica:
“Sei quando há caminho e quando deixa de haver. Todos os indicadores internos estavam alinhados com a continuidade. Toda a equipa tem a minha confiança.”
Relativamente ao mercado, comentou os investimentos realizados e algumas saídas. Sobre Dorgeles e Pau Víctor, foi direto:
“Estamos satisfeitos com ambos, vão ajudar-nos muito.”
Quanto à venda de Roger após o fecho do mercado:
“Estávamos a contar com ele, mas surgiu uma abordagem que nenhuma das partes podia ignorar.”
Um dos temas estratégicos para o Clube é o futuro do Estádio Municipal. António Salvador revelou que o processo de avaliação está em curso e que os Sócios serão chamados a decidir:
“Antes do final da época direi aos Sócios qual defendo ser o caminho. Trabalho com todos os cenários, para isso preciso de avaliações técnicas independentes.”
Sobre a Cidade Desportiva, expressou orgulho pelo trabalho realizado:
“É um complexo único. Faremos o museu e provavelmente uma nova residência. O trabalho nunca está concluído.”
No plano financeiro, assegurou a estabilidade da SAD e destacou a relação com a QSI:
“A QSI tem-nos transmitido confiança máxima e reconhecido autonomia total. Vamos voltar a terrenos positivos já esta época.”
A concluir, reafirmou o objetivo maior do seu mandato:
“O SC Braga vai ser campeão com a maior naturalidade. As bases já cá estão e ninguém ficará surpreendido.”
E deixou uma mensagem aos Sócios, que continuam a apoiar a sua liderança:
“Tenho muito orgulho por continuar a ter a confiança dos Sócios. Devo isso a eles.”


